"Fazer" é o novo livro (irónico) de Paulo Morgado, gestor que afirma que "temos graves lacunas na execução das coisas. Confundimos os verbos pensar e falar com o verbo fazer". Ou seja, enrolamos.
O País está tomado por um conjunto de desculpas que as pessoas usam para adiar decisões. Pior: esses mesmos protagonistas, os utilizadores das desculpas, já nem se apercebem que as usam. Quem o diz é Paulo Morgado, consultor e autor do recém editado "Fazer", livro "que acaba com as desculpas para não fazer o que tem que ser feito."
E quem é que nunca desesperou com o gerúndio "estou fazendo" ou com as típicas respostas "está para despacho" ou "está para aprovação superior"? Um desespero. Especialmente quando é daqueles que gosta de "fazer acontecer" e se vê barrado por desculpas atrás de desculpas. Uma trabalheira. Uma realidade que não ficou no "falar" e passou, no caso deste autor, ao "fazer".
Neste ficcionado livro, Morgado, licenciado em Gestão de Empresas e em Direito, e com mestrados em Finanças e em Filosofia, coloca a nu esta dinâmica do "aparentar fazer".
Como? Imagine alguém a quem é encomendado um livro. Agora imagine que esse autor prefere arranjar desculpas para não escrever, ao invés de começar a trabalhar. Pois bem, essa é a história desta obra. Desculpa atrás de desculpa, este livro revela "o trabalho a que as pessoas se dão para arranjarem 'o workaround'. O trabalho e os sarilhos em que as pessoas estão dispostas a entrar para não fazerem uma coisa que é directa."
Nas palavras do autor, que foi o entrevistado do programa "Ideias em Estante", do Etv, "temos graves lacunas na execução das coisas. Confundimos os verbos pensar e falar com o verbo fazer". Mas há mais. Para Morgado, administrador-delegado da Capgemini Portugal, "nós hoje vemos, sobretudo, um predomínio do falar. Vemos jornalistas que falam, há jornalistas que parece que não falam porque fazem perguntas mas os entrevistados respondem aquilo que querem. Portanto: há um predomínio do falar. Um predomínio do encher espaços televisivos, espaços de media e muitas vezes existem pessoas que só têm três minutos de verdadeiro conteúdo e no entanto dão-lhes três dias..." O chamado mundo onde se criam figuras que são especializadas em enrolar.
O autor considera que as pessoas não percebem o tempo que perdem com as desculpas. "As pessoas profissionalizaram-se em criar expectativas". Mas, no final, "não fazem". Isto porque "o não fazer não é uma coisa que alguém diga assim 'ah eu não faço!'. A pessoa faz sempre o 'acting' de que quer fazer. Mas depois efectivamente não faz."
O resultado? O enrola, enrola... O andar às voltas.
Com o objectivo de "desmistificar as desculpas" e de "levar a que as próprias empresas comecem a criar uma linguagem" que permita identificar essas situações "dos circuitos" que não levam à acção, Morgado escreveu de forma irónica - e com um q.b de humor - este livro, que toca em várias arestas da sociedade.
Como afirma Morgado, "se tivermos a percepção do que são as desculpas para não fazer podemos quase criar um dicionário dentro das nossas organizações ou uma listagem de expressões que não devem ser aceites porque são refúgios."
Autor de mais cinco obras ("O Processo Negocial", "Cem Argumentos", "Contos de Colarinho Branco", " O Corrupto e o Diabo" e o "Riso de Bergson"), Paulo Morgado deixa escapar, no final da entrevista, o tema do seu próximo livro: "A importância do humor na gestão."
E por falar em rir, leia o prefácio de "Fazer", escrito por Nilton.
In prefácio, por Nilton
"'Fazer não é uma coisa fácil', escreve o autor na linha primeira. Mas não fazer dá ainda mais trabalho do que fazer, depreenderá o leitor findas estas páginas. Mas isso não impede que o 'tuga', aquele feijão que cada um de nós tem dentro do cérebro, não opte amiúde pelo caminho mais longo como faz o homem que conduz um carro enquanto procura uma rua. Ele está há duas horas às voltas. A mulher diz-lhe que pare e peça indicações, e ele responde: 'Eu sei onde estou!' Dava menos trabalho pedir ajuda? Dava! Mas ele não pede porque é o 'tuga' que anda às voltas, não é ele! Por ele já tinha perguntando a alguém, o 'tuga' é que acha que sabe onde está.
Ser 'tuga' é inerente à condição lusa. É como aqueles produtos que têm um ligeiro defeito, não impede que funcionem, mas não deixam de ter um defeito. Pode não se notar, mas um dia há-de revelar-se.
O português é um povo espectacular, mas foi por conta do 'tuga' que Eça de Queiroz escreveu 'isto não é um país, é um sítio e ainda por cima mal frequentado'.
(Publicado no DE dia 17/02/2012)