Paulo Trigo Pereira, autor de “Portugal: Dívida Pública e Défice Democrático”, explica o actual estado do País e estabelece relação entre os problemas das finanças públicas e a qualidade da democracia.
Porque chegámos ao ponto a que chegámos de insustentabilidade das finanças públicas e de necessidade de impor sacrifícios acrescidos aos portugueses? Porque tendem as democracias a produzir défices e que reformas de natureza institucional são necessárias? “O principal objectivo deste ensaio é dar resposta a (estas) duas questões”, ambiciona, na nota introdutória, Paulo Trigo Pereira, autor de “Portugal: Dívida Pública e Défice Democrático”.
E consegue. De leitura fácil e repleto de dados económico interessantes, neste livro, cujo argumento central é de que “os problemas das finanças públicas derivam de fraca qualidade da democracia”, encontramos explicações para a actual situação económica. Leia abaixo a entrevista ao autor, que foi publicada hoje no DE.
De notar que por lapso de edição a entrevista foi publicada com dois erros. A saber: uma pergunta repetida e uma resposta colocada no lugar errado. Apresento, assim, em nome do DE as nossas desculpas ao autor e aos leitores.
Junto publico a versão na íntegra.
Porque tendem as democracias a produzir défices?
Há várias razões. Primeiro, porque os cidadãos não estão geralmente bem informados e tendem a premiar políticos que descem, ou não sobem, impostos e agrada-lhes quem faz "obra". Isto é, aumenta a despesa, sem verem a conexão directa com a despesa pública. Depois porque, sem limites ao endividamento (em qualidade e quantidade), as gerações presentes impõem um ónus às gerações futuras, que ainda não estão cá, ou ainda não têm idade, para votar. Finalmente, porque a democracia assenta demasiado na competição política, não havendo grandes incentivos para a cooperação que, em certas reformas estruturais, é crucial.
Até que ponto é que a democracia está relacionada com o desenvolvimento económico; e vice-versa?
Há certos tipos de democracia que são obstáculos ao desenvolvimento económico, mesmo em países desenvolvidos. Quando o Estado é caracterizado por um corporativismo social, com grupos de interesse e lóbis enraizados defendendo interesses particularistas, contra o interesse geral, aqui não existe desenvolvimento. A sociedade em vez de ter incentivos que promovem o desenvolvimento, a criação de riqueza e a redistribuição generalista para os mais carenciados promove, pelo contrário, estratégias rentistas e redistributivas de satisfação de clientelas com poder de influência.
No caso Português: será que corremos o risco de ficarmos menos desenvolvidos com tantas medidas de austeridade? Se sim, será que nos podemos tornar, a médio e longo prazo, num País mais desigual e menos democrático?
Devemos distinguir “austeridade”(por exemplo corte de salários) de “consolidação orçamental” (redução de défice e dívida), pelo que pode haver consolidação, que é essencial, com mais ou menos austeridade. Só por si, a consolidação não leva a maior desigualdade e menor democracia. Depende da forma como for feita.
Se tiver que enumerar cinco variáveis “responsáveis” pela actual situação da nossa dívida pública, essas são?
Escolho duas económicas, uma “cultural” e duas políticas. Desorçamentação (saída de organismos dos orçamentos das administrações públicas), Parcerias público-privadas particularmente no sector rodoviário, a “cultura” do défice natural, eterno e virtuoso, o sistema eleitoral (fechado e bloqueado), e o financiamento dos Partidos Políticos, sem consignação de verbas a grupos de estudo internos.
Factor humano. Até que ponto a variável humana tem peso no estudo da nossa situação económica?
A qualificação das pessoas é essencial. As Universidades necessitam de um “choque de mobilidade” do seu corpo docente, para melhorar a sua qualificação e através dela dos seus alunos. Ao fim de cinco anos, todos os doutorados deveriam ser obrigados a concorrer a outra escola. Os Politécnicos ganhariam com maior qualificação do seu corpo docente. A formação de quadros na Administração deveria ser de qualidade, o contrário do que está a acontecer com a extinção do Instituto Nacional de Administração (INA).
Numa perspectiva económica, o Fado português tem um traçado cíclico?
Temos tido um fado cíclico, mas desta vez a crise vai ser mais duradoura pois não dispomos de instrumento cambial. Aos cidadãos pede-se capacidade de resiliência, cabendo aos políticos a mudança de paradigma na forma de fazer política e de gerir as finanças públicas. Porque se não o fizerem os cidadãos saberão, legitimamente, encontrar uma resposta convincente, não sei se a mais adequada...
Haverá mesmo uma solução para o problema da dívida pública?
Há sempre soluções para os problemas, elas podem ser é mais ou menos dolorosas. Se caminharmos decididamente, e em ritmo adequado para o equilíbrio orçamental nos próximos anos, não descurando as medidas que promovam o crescimento económico, manter-nos-emos nos seio da União com o euro. Estou convicto que haverá, a médio prazo, uma solução mais global para o problema da dívida para os países que, no curto prazo, tenham uma atitude responsável em relação às suas finanças públicas. Esta é, apesar de tudo, a solução menos dolorosa.
Acredita que os sacrifícios pedidos aos portugueses valerão a pena?
Nem todos os actuais sacrifícios são necessários, pois há escolhas que este governo fez e com as quais discordo, por não serem universais e equitativas. Trata-se de opções governamentais e não de necessidades. Mas parte dos sacrifícios são necessários, e não só não temos uma alternativa como há já alguns resultados positivos desta perca parcial de soberania. Enterrámos alguns projectos megalómanos e estamos a aumentar a transparência da Res Pública, isto é da coisa pública que é financiada por todos nós. Estamos mais pobres, mas porventura mais solidários e decerto mais atentos ao que se passa nesta nossa casa comum chamada Portugal.
Nota final sobre o livro: boa leitura, relevantes dados económicos e bom preço (3,5 euros).