Há uns meses atrás, no DocLisboa, assisti à estreia de "Pare, Escute, Olhe". Um grande documentário. Na altura escrevi, mas não publiquei, este texto que agora vos deixo.
Jorge Pelicano, o Michael Moore português em defesa do Tua
Não é à toa que sempre que se fala no Portugal longínquo nos referimos a alguma aldeia (a)trás – (d)os – montes. São zonas rurais, geralmente no interior de Portugal, com poucos acessos e gentes que não sendo raras são escassas. Locais que mais parecem museus, que só abrem no mês de Agosto para encanto dos muitos emigrantes que visitam a terra para alimentar memórias ou simplesmente para não as perder. É duro. É cruel. É injusto.
Também por isso a pertinência de “Pare, Escute, Olhe”, o novo documentário de Jorge Pelicano, que estreou no Doclisboa, e que nos fala dos portugueses esquecidos (para não escrever enganados) que se encontram atrás dos montes e sem possibilidade de apanharem um comboio que lhes permita ir comprar um simples par de óculos que os deixe enxergar a linda paisagem que os rodeia.
Pelicano apresenta a Região de Trás os Montes e as suas gentes com um realismo perfeito e um humor peculiar – só captado com muito talento e longas horas de estudo local. Muito bem documentado, com imagens de arquivo que ilustram bem os quilómetros de distância (não convertidos em auto-estradas) entre o que se disse e o que se fez, Pelicano filma assim com mestria a linha do Tua, sentenciada à morte.
Se as contradições são muitas, os objectivos económico – políticos convergem para uma causa única: a construção da barragem do Tua.
Um empreendimento polémico. Uma operação que ganha mais anticorpos dado o passado de promessas não cumpridas e de algumas decisões que não tiveram em conta a vontade de quem habita nestas terras. “Dezembro 1991: uma decisão política encerra metade da linha ferroviária do Tua, entre Bragança e Mirandela. 15 anos depois, essa sentença amputou o rumo do desenvolvimento, acentuou as assimetrias entre o litoral e o interior de Portugal. Agora, o comboio é ameaçado por uma barragem.” lê –se no sumário deste documentário que está a tentar fazer o que “quase impossível” sendo que e como sussurra o primeiro ministro José Sócrates a António Mexia, Presidente da EDP: “Agora só falta aqui é… cimento”. Mexia, também apanhado pela objectiva de Pelicano aquando de uma viagem ao local das obras, descansa Sócrates e leva à indignação de quem o vê, dizendo “ Está quase”. Um diálogo filmado à rebeldia dos protagonistas e ao estilo do realizador americano Michael Moore. Um documentário, que merece um aplauso pela sua pertinência e pela forma realista com que está realizado. Um formato cinematográfico perfeito em que Pelicano consegue projectar para a audiência o “Eu”- o sujeito que nos toca a todos e que ganha uma carga emocional maior que qualquer folha de cálculo aritmética.
A desertificação, os sentimentos de quem habita o isolamento, as necessidades de quem precisa de um comboio para simplesmente se manter vivo são a bandeira deste documentário realizado por um artista que é contra a construção da barragem do Tua e acima de tudo contra o encerramento de uma linha férrea que leva e trás pessoas, sentimentos e muita vida regional. Tão local que por vezes é esquecida pelo poder central. Uma pena. Esta região é de facto bonita demais para ser esquecida e estas gentes afinal são seres humanos (vivos os que restam) que têm vontades que merecem ser respeitadas.
Grande documentário este que nos leva a pensar que afinal não é a toa que se fala do Tua…
De Augusto Küttner de Magalhães a 5 de Maio de 2010 às 13:15
Gostei muito deste apontamento, até por nós permitir ver, talvez de forma diferente as mesmas realidades.
Penso que se investirmos muito seriamente na linha do Douro, fazer muito mais do que já foi feito, se conseguirmos cuidar muito mais do que está “menos bem “cuidado, do Douro, da Foz à fronteira, se conseguirmos mais atracções/ residenciais/hotéis , junto à foz do Tua, em Alijó, no Pinhão, na Régua, podemos não nos preocuparmos com a barragem do Tua.
Isto porque na minha modesta opinião, se for possível colocar bem melhor o Douro, a sua envolvente, os seus espaços, não necessitamos de nos ter que preocupar com a Lina do Tua, que transporta 3 pessoas por dia usualmente e 200 em Agosto.
Penso que o Douro é lindo, o turismo tem que ser muito para lá direccionado, as Gentes de lá muito mais respeitadas, mas talvez – com direito a estar a dizer uma barbaridade – esquecia a linha do Tua e fazia a barragem, se tivesse tudo o resto bem.
E estive em turismo no Tua, no dia anterior ao ultimo desastre, e subi – antes - a pé aquela zona, e fui de comboio do Tua ao Pocinho e do Tua à Régua, e passei 3 noites ali no Tua, junto à estação…e gostei, mas falta conseguir melhor no que referi…modestamente! E CONHEÇO BEM A ZONA, ANTERIRMENTE EM TRABALHO…..
Augusto Küttner de Magalhães
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