David Justino, autor do ensaio "Difícil é Educá-los", responde a "três questões".
1. Qual o papel da educação para o desenvolvimento económico e social de um país?
Há uma relação estreita entre desenvolvimento e aumento significativo do capital humano. Não se entenda por desenvolvimento o mero crescimento económico, nem por capital humano a maior ou menor disponibilidade de mão-de-obra. A questão terá de ser colocada a um nível mais complexo. A investigação tem-nos ensinado que não basta ter mais educação (maiores taxas de escolarização da população ou maior despesa nesta atividade), sendo indispensável falarmos em melhor educação, ou seja, uma maior capacitação das novas gerações de forma a responder aos desafios e aos objectivos de desenvolvimento económico e social de um país. Não basta educarmos mais para atingirmos níveis mais elevados de desenvolvimento económico, nem basta sermos mais ricos para termos melhor educação. Educação e desenvolvimento têm de ser convergentes nos princípios e nos fins, têm de se potenciar mutuamente.
Vamos dar um exemplo. De que serve termos cada vez mais licenciados em organização e gestão de empresas se a estrutura empresarial não tem capacidade de os absorver? Ou, por outro lado, se as suas qualificações não corresponderem ao nível de desenvolvimento organizacional e tecnológico do país? Os atuais problemas de desemprego entre licenciados tem muito a ver com a falta de coordenação entre quem forma esses licenciados e quem os emprega. Infelizmente não é uma situação meramente conjuntural, é de carácter estrutural por falta de uma visão de longo prazo.
2. O que falha em Portugal (em termos educativos) ?
O mesmo que falha nos restantes sectores: incapacidade de mobilizar e organizar recursos para objectivos de médio e longo prazo. Porque é que a educação teria de ser diferente dos problemas de competitividade empresarial, da organização social ou do desenvolvimento cultural? Durante décadas apenas nos centrámos em ter mais educação e só mais recentemente tentamos melhorar os níveis de desempenho em comparação com os nossos parceiros internacionais. Em vez de nos preocuparmos com a qualidade das aprendizagens, andamos preocupados com problemas acessórios como o fecho de escolas, os agrupamentos, os concursos de professores. Tudo isto é instrumental.
O que nos falta é uma visão de futuro para a educação que permita sustentar um modelo de crescimento económico que também ninguém quer saber qual vai ser. Daqui a 15 anos, que é o tempo médio necessário para formar uma nova geração, que tipo de profissionais é que a economia vai precisar? Com que perfis de formação? Em que quantidade? O que se invoca para as necessidades da economia pode-se invocar para a formação cultural, ou para os mais variados domínios da sociedade?
Que tipo de conhecimentos e competências serão críticas daqui a duas décadas? O que se deve valorizar, a acumulação de conhecimentos ou o desenvolvimento da capacidade de pensar os problemas ( que não dispensa a aquisição de conhecimentos, como é evidente!)? Qual a importância das línguas estrangeiras?
Como desenvolver a cultura científica?
São estas questões que precisam de ser respondidas, mas será bom que o sejam numa perspectiva integrada e com uma visão de futuro. O tempo da educação não se compadece com o imediato nem com o mediático. É um tempo bem mais longo e por vezes imperceptível. Exige visão, estratégia e um consenso alargado entre as diferentes forças sociais de forma a estabilizar as grandes opções. É isso que tem faltado em Portugal.
3. O que se pode fazer para melhorar o atual estado da educação?
O que tentei demonstrar no meu livro é que temos progredido no que respeita a “mais educação”. Temos aumentado a escolarização tornando-a mais vez mais generalizada entre a população e com mais tempo de frequência, temos vindo a reduzir os níveis de abandono e de insucesso escolares, temos melhores estabelecimentos escolares e uma rede que tem vindo a ser adequada às novas realidades das populações e do território.
Começa a chegar a altura de pensarmos prioritariamente no que se ensina e no que se aprende, como se ensina e como se aprende de forma a aumentar a qualidade da formação e a tornar as novas gerações melhor preparadas para enfrentar os desafios do futuro. Muitos desses desafios nem sequer os adivinhamos. Por isso precisamos de lhes transmitir uma sólida formação de base em que a capacidade de pensar e resolver problemas possa ser valorizada, em que os hábitos de trabalho, o rigor e a disciplina, a abertura perante o mundo e a defesa da nossa identidade como povo, possam ser as traves mestras de uma cultura assente no conhecimento, na ciência e na capacidade de nos integrarmos nos grandes movimentos globais.
Teremos de fazer tudo isto numa escola que terá de ser muito diferente daquela que conhecemos. Teremos de superar a velha unicidade educativa imposta de cima para baixo, característica do velho “Estado Educador”, para promover estruturas de ensino diferenciadas, que resultem das respostas das escolas à complexidade social e cultural das populações. Teremos de ter escolas mais atentas e mais cooperantes com as necessidades das comunidades locais, das empresas, e das organizações sociais. Isto exige maior descentralização, maior diferenciação educativa, mas também maior responsabilidade e mais avaliação.
Vamos ter de reinventar o sistema de ensino. Quanto mais tarde o fizermos, mais atrasados ficaremos.
Estas respostas foram editadas e publicadas no DE.