José Silva Lopes é o convidado de Mafalda de Avelar, autora do programa "Ideais em Estante". Em entrevista, Silva Lopes defende que Paul Krugman, que teve o seu primeiro emprego internacional em Portugal, devia ser mais escutado.
"Krugman é dos economistas que mais me influencia"
SILVA LOPES DEFENDE QUE PAUL KRUGMAN, QUE TEVE O SEU PRIMEIRO EMPREGO INTERNACIONAL EM PORTUGAL, DEVIA SER MAIS ESCUTADO. E KEYNES ENTENDIDO.
Num momento em que Krugman é considerado mais polémico do que nunca, e isto porque tem visões "mais à esquerda" que os tradicionais economistas norte - americanos, Silva Lopes fala do último livro do Nobel de Economia (2008) e afirma que o que faz falta em Portugal é debate intelectual.
Em entrevista, esclarece: "Este problema (das escolas keynesianas versus as "anti-keynesianas) é muito discutido, lá fora. Mas infelizmente, em Portugal, discutimos isto numa base intelectual muito pobre". Considerando que "Krugman é um keynesiano declarado", Silva Lopes afirma que "esta crise mostrou completamente porque é que os economistas de água doce (os que rejeitam as teorias de Keynes) não têm razão".
Porém, "o que é espantoso é que eu pensava que a crise, que demonstrou que eles não têm razão, ia fazer com que eles viessem a perder terreno. Mas não".
Em entrevista, que pode ser vista na íntegra no programa "Ideias em Estante" (no ETV), Silva Lopes não esconde o seu descontentamento com as actuais políticas europeias. Sobre a obra de Krugman, refere que o Nobel tenta passar a mensagem de que "nós não devemos andar com esta obsessão da redução dos défices orçamentais". A intervenção dos bancos centrais, criação de moeda e inflação são também temas sempre abordados pelo economista Nobel.
Em entrevista, Silva Lopes, fala ainda da relação que manteve com Krugman, em Portugal, no pós 25 de Abril. "O meu primeiro emprego internacional foi em Portugal", declarou, em 2010, em entrevista a este espaço, Paul Krugman, a propósito de ter trabalhado com Silva Lopes, quando este foi Governador do Banco de Portugal. Dornbusch, Solow, Lance Taylor, Richard Eckaus, Cary Brown, Andrew Abel, Jeffrey Frankel e Krugman são alguns nomes de economistas que passaram por Portugal nesse período. Três são, hoje, Nobel de Economia.
Porque é que este livro é pertinente?
Como o próprio título diz que esta obra trata dos problemas da crise financeira e económica que o mundo está a fazer face actualmente; e, essencialmente, apresenta as primeiras opiniões do autor sobre as políticas que devem ser seguidas para sairmos desta crise.
O que advoga Krugman?
Bem, o autor é - aquilo a que nos Estados Unidos se chama de - "Liberal". Liberal não se pode traduzir em português por "liberal" (apesar de se escrever da mesma forma). Liberal em português é um economista que acredita no mercado, que não quer o governo (ou melhor que quer o governo reduzido às dimensões mais simples), que quer o mercado sem regulação. Nos Estados Unidos é exactamente tudo ao contrário. O "liberal", aquilo a que poderíamos chamar, aqui, de centro esquerda (lá nos Estados Unidos é considerado até bastante à esquerda) é quem pensa que o Estado deve ter um papel fundamental na gestão da economia, nomeadamente em períodos de crise, que a regulação é fundamental porque os mercados funcionam muito mal. O Krugman tem defendido isso em livros anteriores e principalmente na coluna que escreve todas as semanas no New York Times. Ele é considerado nos Estados Unidos um dos economistas mais controversos, por estar à esquerda e uma grande parte dos economistas americanos estarem à direita.
Economistas de água doce e de água salgada ?
Krugman cita, aliás, no livro que os economistas americanos se dividem em dois grupos. Os economistas de água doce e os de água salgada. Os economistas de água doce são aqueles da região dos grandes lagos - Chicago e arredores - e que defendem que os mercados funcionam na maravilha, que o governo deve ser reduzido à sua expressão mais simples, que não deve haver regulação de mercados porque eles funcionam muito bem e que as perspectivas keynesianas são uma coisa do passado. Olham com desprezo para as teorias keynesianas. O Krugman pertence aos economistas de água salgada (normalmente da costa leste e Oeste. Ex: MIT). Krugman é um keynesiano declarado. Embora adaptando sempre a teoria à realidade. Aquilo que se ensina na maior parte das universidades americanas - e em algumas universidades portuguesas - é que o keynesianismo é uma coisa do passado. Isto, para desprezar. Ignora-se completamente o Keynes. Porém, esta crise mostrou, completamente, como é que os tais economistas de água doce não têm razão.
(Publicado no Diário Económico, na Ideias em Estante", a 09/11/2012)