Quarta-feira, 20 de Março de 2013

Se torturarem os números... eles confessam

Até os números têm limites. É esse alerta que o catedrático Pedro Nogueira Ramos tenta deixar com este novo livro sobre as estatísticas e as suas leituras.

 

 

Este livro não é só sobre estatísticas, é sobretudo sobre a interpretação das estatísticas". É assim que Pedro Nogueira Ramos, economista e professor catedrático de Economia da Universidade de Coimbra, apresenta o seu livro 'Torturem os Números que Eles Confessam: Sobre o mau uso e abuso das Estatísticas em Portugal, e não só'. Com o carimbo da Almedina, histórica editora de Coimbra, esta obra agora lançada começa por apresentar a importância da estatística, área em que o autor trabalhou durante mais de uma década e que encara como "um instrumento de progresso social".

Para Nogueira Ramos, o problema que existe actualmente não reside nas estatísticas - que considera muito importantes -, mas sim na interpretação das estatísticas. Denunciado o mau uso dos números e a sua interpretação "às vezes nociva", o professor, que foi o convidado do programa 'Ideias em Estante' (que pode ser visto no ETV), defende que "os números têm várias interpretações, apesar de muitas vezes no debate público não ser essa a leitura". Sendo um académico, que já trabalhou na produção de estatísticas, Nogueira Ramos tem um currículo recheado de experiência à volta dos números e, em especial, da estatística. Trabalhou para o Instituto Nacional de Estatística (INE), foi director das Contas Nacionais e membro da Comissão para a Análise das Contas Públicas (presidida por Vítor Constâncio), função que exerceu quando foi determinado o défice público de 2001. Foi ainda consultor do Eurostat.

Uma prática alargada que, somada às suas funções académicas, o levou a escrever esta obra. "Da conjunção dessas duas experiências surgiu-me a consciência de que as estatísticas não são números incontestáveis", refere o autor em entrevista. E, por isso, acrescenta, "há vários olhares sobre a mesma realidade. Assim como há várias interpretações para os números da estatística". E esse facto tem de ser levado em conta na hora de analisar e divulgar. "A estatística não é, nem pode ser colocada, ao serviço da publicidade, seja de empresas, estados ou ideologias." Sobre esta temática, alega o autor, "há, por exemplo, um número extremamente curioso: o desemprego jovem. Este indicador - que tem variado de trimestre para trimestre - tem sido colocado entre 35 e 40%..." Ou seja, "não é um abuso afirmar que jovens são só aqueles que têm menos de 25 anos'", questiona o autor, colocando de imediato outra questão: "Com que idade se licenciam os jovens portugueses?".

Dando força ao que pretende mostrar, afirma que a taxa de desemprego na faixa dos 25-34 anos "é ligeiramente superior à média do país - rondará 18 ou 19%". Existem muitos outros casos e, no que toca à distribuição de rendimento, há muito a falar. "Aquilo que este livro procura acrescentar à discussão, que já se faz neste momento entre os economistas a nível mundial no que respeita à distribuição de rendimento, é que importa olhar para a desigual distribuição de rendimento entre as famílias. Há outro factor que tem sido esquecido: nem todo o rendimento é distribuído às famílias. E todos os estudos internacionais de distribuição de rendimento, todas as estatísticas internacionais, com coisas que os não-economistas nunca ouviram falar, mas que aos economistas é muito familiar (como o coeficiente de Gini), tudo isso respeita exclusivamente ao rendimento distribuído às famílias".

Há outro factor que, para o autor, induz muita desigualdade na distribuição de rendimento: "É o facto de muito rendimento não ser distribuído às famílias, é mantido na posse de empresas, o que significa que as empresas valem mais, que os seus proprietários são mais ricos, mas não usufruem de rendimento. Conclui o autor que "o rendimento não distribuído às famílias é um elemento fundamental para compreendermos a desigualdade na distribuição do rendimento e não é tido em conta, por regra, nas estatísticas internacionais". É apenas um exemplo de muita dessa 'maquilhagem' dos números, às vezes colocada simplesmente por ignorância, outras com objectivos concretos, e que dá força a uma das frases usadas por Nogueira Ramos, para descrever esta obra: "Este não é um livro contra os números, mas sobre os limites dos números."

 

 

Este artigo foi publicado na coluna "Ideias em Estante" dia 15/03/2013 no Diário Económico.

 

Este post está também publicado no meu blog pessoal: www.livrosavoltadomundo.blogs.sapo.pt

 

publicado por livrosemanias às 14:50
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